Comecei a fazer teatro aos 13 anos de idade. Alguma coisa aconteceu na primeira vez que pisei em um palco que significou muito para mim, me senti gente, me senti capaz, me senti viva e relevante. Nunca mais consegui me afastar da arte e compreendi que aquele era um território onde eu existia muito além de ser alguém que precisa comer, beber, vestir e ir ao médico. Compreendi que tudo que me atormentava também atormentava outras pessoas e que falar sobre isso me tornava mais humana e mais empática. A arte passou então a ser uma necessidade básica. Quando estou triste, escrevo. Quando estou com saudades, ouço músicas. Quando estou atormentada, faço teatro. Consigo assim me sentir segura para falar do meu medo da morte, da violência, dessa angustia sem nome que as vezes me acompanha por dias. Quando entendi isso comecei a acreditar que todas as pessoas merecem ter acesso as artes, a saberem que não estão sozinhas, que não nasceram apenas para produzir e servir ao mercado, comprando ou vendendo sua mão de obra a preço de banana. Todos deveriam um dia ter a chance de subirem em um palco, serem aplaudidos, honrados pelos seres humanos que são e que podem ser. O reconhecimento muda a vida das pessoas, dá a elas um propósito. A partir do momento que algo que você faz, faz bem a outras pessoas o mundo da gentileza começa a girar. Dá para fazer isso sem fazer arte? Claro que dá, Mas você possivelmente vai cuidar de outras coisas que não da alma das pessoas. Não que não seja importante cuidar das outras coisas, mas a isso o mundo já conseguiu colocar preço muito bem. Na arte, não. A arte ainda vive nos becos e quanto "menor" mais verdadeira. São nos movimentos de Rap das periferias, nos pequenos centros culturais, nos pequenos circos, que ela surge rasgada, desnuda, sem a obrigatoriedade de ser bonita aos olhos da sociedade, mas com o compromisso único de revelar a verdade complexa, que vai além do amar e ser amado (que ainda vende tão bem nas músicas sertanejas e nas novelas da TV).
Aprendi então que algumas políticas públicas de cultura poderiam garantir o acesso a um maior número de pessoas e assim, também sustentar aqueles que arduamente trabalham para gerar e ensinar esses conteúdos. Ainda que acredite que o plano todo deveria ser muito melhor elaborado, com um comprometimento real dos contemplados por essas políticas em transformar os alcançados em, no mínimo, "valorizadores" e multiplicadores dessas ações, tornando ao longo prazo todo esse sistema autossustentável. No momento ainda faz-se necessário que ações dos governos mantenham e assegurem o acesso à cultura e as artes. Claro que muitos discordam exatamente pelo fato de não compreenderem que alimentar a alma, abrir os olhos, não se sentir sozinho, é tão necessário quanto o pão na mesa. O assunto é polêmico, mas o fato é que ninguém é apenas um tubo por onde a comida entra e sai. Todos somos um amontoado de sentimentos que precisa ser expressado e compartilhado desde que o mundo é mundo. E eis que no meio de uma pandemia, onde o setor cultural é o maior atingido, temos ainda artistas despolitizados que não compreendem a importância e a relevância do próprio trabalho. Pessoas que não compreendem que se o governo consegue achar justificativa para apoiar com muito dinheiro bancos, que só tiram das pessoas que geram o dinheiro, ele tem razões de sobra para executar ações que socorram os artistas nesse momento. Não é nenhum tipo de favor, pois precisamos entender que além de todo o bem individual que uma manifestação artística possa trazer, ainda são as artes e a cultura que garantem a identidade de um povo. Artistas não merecem passar fome, como ninguém merece. São 500 circos fechados e a secretária de cultura pede para as comunidades do entorno se mobilizem para levar cestas básicas? Ela fica feliz e orgulhosa porque conseguiu publicar uma Instrução Normativa que, em quase nada, ajuda apenas quem acessou a lei federal? Temos um Sistema Nacional de Cultura totalmente inoperante nas mãos de um governo incompetente. Em nenhum momento vimos a secretária falar sobre o Plano Nacional de Cultura e creio que jamais vamos vê-la apresentando ações contundentes para o setor. Enquanto isso quase 15 mil centros culturais definham pelo país. Mas a incapacidade gestora não é exclusividade do Governo Federal. Não vou prolongar o assunto sobre incapacidades e incompetências, pois com toda a certeza daria um livro e não um post para um blog. Mas o que penso é que enquanto os artistas aceitarem participar de ações de incompetência primária, como uma chamada pública, sem edital, promovida por uma prefeitura, para selecionar trabalhos, para serem apresentados sem qualquer remuneração, em suas mídias sociais, ficará difícil a defesa de políticas sérias e comprometidas. A representação política tem uma história catastrófica no Brasil, as pessoas querem cargos e poder sem o menor comprometimento em entender quais os papéis desses cargos. E mesmo assim são eleitos e reeleitos exatamente porque nossa consciência crítica só alcança a próxima "apaixonite" e a saia curta da vizinha. Nós, artistas, precisamos nos politizar, entender quais são as políticas públicas para a cultura, nos apropriarmos delas, para que possamos chegar em mais gente, contribuindo para um imaginário mais rico e complexo. Acredito muito que somos nós que podemos conscientizar as pessoas que elas são mais que um tubo excretor, mas para isso precisamos entender que somos mais que pombos esperando os restos de pipoca que caem no chão das praças.
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