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PARQUE DE DIVERSÕES

Ana Miranda


Ele saiu com sua melhor roupa, de mãos dadas com o filho maior, e o menor no colo. Deu um beijo na mulher, ela sorriu, enxugou as mãos na barra da saia e foi olhar da porta a saída alegre da família. Era um domingo de céu azul. Todos os domingos ele fazia o mesmo trajeto com os filhos.

Atravessou a rua com duas crianças no colo para não sujarem os únicos sapatos que tinham. Os vizinhos acenaram. Ele comprou a passagem com tíquetes e esperou meia hora na estação, até que o trem apareceu, vazio. Entrou no vagão, sentou-se com os filhos e fizeram a viagem em silêncio. As crianças, absortas, olhavam a paisagem que se tornava cada vez mais urbana: carros, ruas asfaltadas e edifícios. Saltaram na última estação.

Caminharam algumas quadras, atravessaram ruas, praças e chegaram ao ponto de ônibus. Esperaram quase uma hora, as crianças impacientes reclamaram de sede, e ele foi a uma padaria, pediu um copo de água e deu de beber aos filhos. As crianças pediram um sonho, mas ele explicou que não tinha dinheiro. Voltaram ao ponto. O ônibus apareceu. Subiram e viajaram mais algum tempo. Cansadas, as crianças adormeceram. O ônibus chegou ao centro da cidade.

Saltaram no ponto da praça. Ele deitou as crianças num banco e esperou. As crianças acordaram e quiseram olhar os pombos, que comiam milho jogado por um mendigo. Ele disse “Vamos logo, estamos perto”. Atravessaram um labirinto de ruas estreitas e desertas, com as grades das lojas abaixadas. Cruzaram a larga avenida central e chegaram ao destino. De mãos dadas com o filho maior e menor no colo, ele entrou no edifício. O vigia acenou. Faxineiros varriam a rampa. Excitadas, as crianças sorriam. Ele desceu a escada rolante em silêncio, as crianças absortas. Ao final, fizeram a volta e subiram a escada rolante. Desceram e subiram durante mais de uma hora. Ele disse que estava na hora de voltar.

Cruzaram a avenida, o labirinto de ruas, beberam água na padaria, tomaram o ônibus, o trem, as ruas de lama, e ao entardecer chegaram em casa, cansados e felizes.


Ana Miranda

Publicado na revista Caros Amigos, nº 48, março 2001,


ANA MIRANDA nasceu em Fortaleza, em 1951. Morou em Brasília, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Hoje vive no Ceará. Estreou como romancista em 1989, com Boca do Inferno (prêmio Jabuti de revelação). De lá para cá escreveu diversos romances, entre eles Desmundo (1996), Amrik (1997) e Dias & Dias (2002, prêmio Jabuti de romance e prêmio da Academia Brasileira de Letras).

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