Sobre clássicos, leitura, prazer e mediação: uma opinião.
Tenho visto muitos comentários na internet nos últimos dias sobre a leitura ou não de clássicos na escola e comecei a pensar sobre isso e sobre uma coisa que acredito muito, que é a mediação da leitura. Trabalho com projetos de leitura há algum tempo e falo à partir de algumas referências bibliográficas, mas acima de tudo sobre a minha experiência nesses projetos. Nunca desenvolvi um trabalho em uma sala com adolescentes, pois não sou professora de literatura, meu objetivo sempre foi fomentar a leitura, seja através de projetos que davam oportunidade de acesso, seja com leituras compartilhadas. Então, não posso falar da importância dos clássicos em relação à que representam dentro do ensino da literatura, mas sei da importância que eles têm na formação de um conhecimento mais reflexivo, mais profundo e principalmente na atemporalidade que eles trazem em suas narrativas, pois como já disse Ítalo Calvino, “Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer.“
Mas isso posto, vamos pensar agora sobre o nível de leitura de nossos alunos, o acesso aos livros no Brasil e o número de leitores, que segundo a última pesquisa feita nessa área, os Retratos de Leitura (2019), realizada pelo Instituto Pró-Livro, indica que apenas 52% da população brasileira considera- se leitor. E quem seria esse leitor? Segundo a pesquisa, leitor é aquele que leu, inteiro ou partes, pelo menos um livro nos últimos três meses que anteciparam a pesquisa. A falta de acesso ao livro é um dos agravantes para o entrave da leitura, pois sabemos que a maioria da população não tem dinheiro para investir em livros para seus filhos e ainda “rema contra a maré” quando impostos são aumentados, elitizando ainda mais a leitura e o saber. Nesse sentido, sabemos que a escola e as bibliotecas públicas são as portas de acesso dos alunos ao mundo maravilhoso proporcionado pelos livros e pela leitura dos mesmos. É claro que daí, não preciso dizer da importância da leitura para o desenvolvimento intelectual desses alunos e o quanto contribuem para o processo de aprendizagem, possibilitando reflexões, trocas, conhecimento, poder de argumentação, socialização, além de várias outras vantagens. Todos os professores sabem disso e com certeza, gostam disso. Mas aí vem a questão, como agir em sala de aula para trabalhar os clássicos e ainda fazer com que os alunos o façam com prazer. E aí eu volto a enfatizar a importância da mediação. E essa mediação não é papel exclusivo da escola, do professor. Cabe também à família e aos espaços públicos de leitura como bibliotecas públicas e comunitárias. Estas últimas, que na maioria das vezes, são mantidas pela própria comunidade sem nenhum tipo de investimento ou valorização.
A mediação funciona sempre, desde a educação infantil até a fase adulta, pois mesmo para os pequenos, não basta dar-lhes um grande acervo, se não houver um bom trabalho de troca, de escuta, de afeto. Porque a leitura é isso, trocar afetos, ouvir, contar, refletir, discutir, eliminar preconceitos e formar novos conceitos. Escutar o que querem os nossos alunos e tentar de maneira prazerosa, utilizando o que temos de melhor na nossa literatura é um passo fundamental para o desenvolvimento do hábito e do gosto pela leitura. E somos mediadores o tempo todo, quando presenteamos alguém com um livro, quando indicamos uma leitura para alguém, quando discutimos na internet, como está sendo feito no momento, quando comparamos o livro e sua adaptação para o cinema, quando lemos para nossas crianças, ou simplesmente quando lemos na frente de nossas crianças. Então, acho que além da preocupação de apresentar as melhores narrativas, temos também que pensar nas formas que às vezes ainda são utilizadas pra esse fim. Tenho certeza que os alunos adolescentes adorariam comentar sobre os desmandos de Bentinho, ou os olhos de ressaca de Capitu, se tudo fosse de uma forma que aproximasse a obra de 1899 dos tempos atuais, que a reflexão à partir da leitura envolvesse a realidade do aluno, da criança, do adulto, assim como pregava nosso querido (e tão incompreendido, ultimamente) Paulo Freire, que também afirmou que “Leitura do mundo e a leitura da palavra estão dinamicamente juntas.” E nesse sentido, os personagens dos clássicos são dotados de sentimentos e ações que não se esgotam ou se esvaem no tempo, elas apenas se transformam com a evolução do mundo e se adaptam às sociedades atuais, possibilitando o reconhecimento e a transformação do leitor. E para validar minha opinião, ainda uso outra citação do autor Ítalo Calvino que diz que “Um clássico é uma obra que provoca incessantemente uma nuvem de discursos críticos sobre si, mas continuamente as repele para longe.”
Então, vamos mesclar, vamos não reinventar e mostrar aos nossos alunos um vasto mundo de leituras, uma imensidão de sonhos, desejos e viagens proporcionadas à partir do encantamento da palavra escrita!
E viva os livros!
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