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Plenitude



Elas se encontraram sem querer, de repente, na fila do supermercado. Demoraram a se reconhecer, com essas máscaras, hoje em dia, tempo de pandemia, todos ficam parecidos. Mas ficaram se encarando e o sorrisinho escondido no canto da boca, ficou em suspenso, pois em nada contribuía.

Depois de vários olhares, a loira, de rabo de cavalo, resolveu arriscar. Abaixou a máscara e perguntou: - Lia?

-Sim! Ficou claro para ela, era a amiga Marta, que não via há mais de duas décadas. Sua amiga de infância, cresceram juntas, se tornaram adolescentes juntas, e no começo da fase adulta, cada uma seguiu seu caminho. Marta casou, foi morar por um tempo na Bahia, depois soube que se mudou para São Paulo e depois não soube mais. O marido tinha algum cargo importante numa multinacional e isso impulsionava as viagens e uma vida de poucos apegos.

Começaram a conversar descontraidamente, como se o tempo não tivesse passado, pois as lembranças que tinham uma da outra eram as melhores. Resolveram se encontrar numa cafeteria, perto dali pra uma conversa mais tranquila, longe dos olhares e da curiosidade daqueles que frequentam o supermercado como uma forma de entretenimento.

Começaram perguntando de seus familiares, pais e irmãos de uma e de outra. Todos bem, alguns casados, outros descasados, coisas da vida. Lembraram então dos momentos bons de suas infâncias. Lembraram quando iam assistir aos filmes já fora de cartaz na capital, mas que eram novidade na cidade pequena que possuía apenas um cinema. Fechou depois, agora a cidade não tem nenhum. Sentiram um gosto de nostalgia no primeiro gole de café. Lembraram também da adolescência, dos bailinhos de Carnaval no clube da cidade, regados à muito confete, serpentina e refrigerante. Um gole de cerveja quente era uma transgressão moral. Os pais faziam marcação cerrada, zelo excessivo pra uma época onde as coisas eram mais tranquilas, numa cidade pequena de interior, onde todos se conheciam. Imagina se ficassem mal faladas. Riram disso. Compararam com os tempos atuais e a dificuldade que é a criação dos filhos hoje em dia. Desse assunto mesmo, só Marta poderia falar. Teve três filhos, hoje uma adolescente e os dois mais velhos, na faculdade. Ela, era arquiteta, mas nunca desenvolveu a profissão, pois tinha que cuidar das crianças e o marido ganhava bem, conseguia manter as despesas da casa e os caprichos dos filhos. Acabou anulando seus sonhos em detrimento da casa, dos filhos, do marido. Parecia cansada, tinha um olhar ausente quando falava de sua vida, sem muita emoção. Não tinha brilho no olhar. Lia nunca se casou, tampouco teve filhos.

Marta explicou que estava na cidade apenas por causa do casamento de um primo muito querido. Não ia se demorar, apenas um final de semana, depois retornaria para o Rio, onde morava atualmente. Elas então se despediram, trocaram contatos e juraram nunca mais ficarem tanto tempo sem se falar. Cada uma foi pra um lado, como há muito tempo. Lia, teve que voltar ao mercado, pois tinha esquecido de comprar a ração dos gatos. Cantava e sorria enquanto dirigia.


Este texto é de responsabilidade do autor/da autora.

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