Minha avó era uma costureira de mão cheia, daquelas que fazem de tudo com um tecido e uma agulha. Além de costurar lindas roupas para seus filhos desde pequenos, costurava roupas pra ela e pro meu avô, um homem bronco, sisudo, que o tempo e o trabalho pesado embruteceu.
Mas mesmo assim, fechado em seu mundo de lavouras, arados, carroças e enxadas, de trabalho manual pesado e duro, era ele que ia à cidade, duas vezes por ano, com o dinheirinho que reservara da safra e escolhia grandes peças de tecidos coloridos, para que minha avó pudesse fazer roupa de cama e de mesa, lindos panos de prato bordados com crochê, toalhas de mesa coloridas e lindas colchas de retalhos, que caprichosamente combinavam com as cortinas e traziam assim um pouco de cor e aconchego para um ambiente simples, sem luxo, mas fruto de muita luta. Também fazia a roupinha para os quatro filhos que tinham, como fruto daquele casamento.
Casamento sem amor, daqueles que só não se diz arranjado, porque os tempos modernos da época não permitiam, mas que no fundo, não passava de um grande acordo para facilitar compras, vendas e troca de mercadorias. Isso também facilitava muito para os pais dos noivos, principalmente da noiva, que não precisavam se preocupar em “segurar” sua cabrita, já que os bodes sempre andam soltos por aí.
Paixão não tinha, amor, talvez com o tempo, mas havia respeito e a vontade de criar os filhos com dignidade e comida na mesa.
Meus tios começaram a trabalhar na roça cedo para ajudar o pai, já minhas tias eram poupadas porque ajudavam minha avó na lida com as poucas vacas que tinham, as quais produziam um pouco de leite, e que elas faziam queijo para o consumo e para vender na feira da cidade. Todo dinheiro era bem vindo, pois a roça, pra dar bem, depende do tempo. E esse às vezes pode ser amigo ou inimigo de quem planta. Sempre tinha que ter uma reserva, meu avô dizia.
Minha mãe era a mais nova e a mais sonhadora, sempre pensava em sair da roça, morar na cidade, usar as roupas que as meninas, que ela via na feira, às vezes, quando tinha a sorte de ir junto, usavam. Sapato brilhante, vestidos com uma cor só, cores claras, sapatos com brilho e fivelinha. Ela cresceu, teve sorte, casou nova, apesar da criação rigorosa que teve e do pouco contato com rapazes, meu pai era um bom partido. Tão novo quanto ela, também sonhava em sair da roça e morar na cidade. E foi o que fizeram, arranjaram um dinheirinho, fizeram seu pezinho de meia, e saíram daquele lugar; alugaram uma casinha simples na cidade, minha mãe fazia serviço de limpeza na casa das madames e meu pai começou a trabalhar fazendo jardim e serviços braçais nas casas de gente rica, que gostavam do trabalho e indicavam para outras pessoas, e assim nunca faltava trabalho para eles , que dignamente também, foram construindo aos poucos uma vida melhor. Não tiveram filhos cedo.
Queriam esperar melhores condições de vida, para que as crianças não fossem criadas como eles, tendo que trabalhar desde cedo e muitas vezes passando vontade de algumas coisas. Minha mãe, com o tempo, comprou uma máquina de costura e passou a fazer pequenos reparos nas roupas das vizinhas, depois das madames, até que começou a confeccionar vestidos e outras peças de vestuário.
A vida não melhorava muito, mas se mantinha e com a aprovação do meu pai, resolveram finalmente ter filhos.
Eu nasci dessa união, um pouco torta, montada aos pedaços. Um tantinho de cada um. Pedaços de muita luta, muito trabalho, sol a pino, dedos calejados, sonhos, tristezas, pequenas alegrias, arranjos, desilusões, realizações… assim como os tecidos dessa colcha colorida, costurados à mão, na qual estou deitada agora, pensando sobre minha vida. A colcha de retalhos que herdei de minha avó.
Este texto é de responsabilidade do autor/da autora.
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